FUNK, LITERATURA E (DES)EDUCAÇÃO.
Desenrolos do Música & Letramento
MÚSICA
Em quase
toda palestra, desenrolo, oficina ou bate papo do projeto Música & Letramento com pessoas de idades diferentes, uma das
primeiras perguntas que faço para as pessoas é : O que é música pra você? Daí
sai muita coisa, quase sempre sinônimos de felicidade, memória, lembranças,
alegria, prazer. Por isso, vou começar essa papo pensando definições de música. Trazendo contribuições
de alguns pesquisadores afirmando que “A música é uma linguagem que utiliza
sons e silêncios para expressar e comunicar”(LEVY, 2010: 16), por exemplo. Mas,
se essa definição fica um pouco distante do que afirma grande parte da galera
com quem já troquei ideias ao longo desse processo, então podemos pensar que música(s) “são expressões sonoras que refletem a
consciência, o modo de perceber, pensar e sentir de indivíduos, comunidades,
culturas, regiões, em seu processo sócio-histórico”(BRITO, 2003: 28). Existe ainda
a afirmativa de Sodré (2017) que vê a
música como “recurso vital de transcendência da dualidade mente/corpo, que
converte a filosofia numa estética de revelação do substrato fundamental e
afetivo do homem.” (SODRÉ, 2017: 139). Aí, se liga aqui. Na real, o
Brito(2003) está querendo dizer, entre
outras coisas, que o autor de uma canção ou um compositor escreve coisas sobre
o sentir, viver ou perceber. E o Sodré(2017) já continua falando do afeto,
sentimentos, corpo e mente em sintonia, juntos. Essas são definições
extremamente aproximadas das respostas recebidas por vezes em uma única palavra
por crianças, jovens e adultos nos desenrolos feitos em várias instituições
escolares e feiras literárias pelo estado do RJ. Ah! Mas, se é pra falar de
música, vamos falar de ritmo também.
Cês tão ligados que o papo aqui é ritmo? E
ritmo é música preta! É uma das paradas que faz a gente ter consciência de viver
junto, fazer junto. Para Sodré(2017)
o ritmo
se afirma como uma verdadeira tecnologia de agregação humana. Por meio da dança
e da festa, ele reelabora simbolicamente o espaço, na medida em que modifica,
ainda que momentaneamente, as hierarquias territoriais, estimulando o poder
expressivo do corpo até o ponto de produção de imagens próprias de liberação e
autorrealização.(SODRÉ, 2017: 143-144)
O professor/pesquisador(professor/ pesquisador
ou professor/estudante deveria ser redundância) tá dando o papo que se tem ritmo,
tem festa. E em festa ninguém está
sozinho. Mas, aí o cara vai além. Nesse momento Sodré não está (e nem eu estou)
falando de ritmo como se fosse um gênero musical, um tipo de música específica.
Estou trazendo o cara pra falar de ritmo negro, de toda essa importância e
significado pra daqui pra frente o entendimento do papo chegar. Porque tem um
fato aí. A forma com que os tambores africanos agem na música é diferente de
como é fazer música de um modo egoísta, eurocêntrico, ocidental(branco). Pois,
No ocidente, com o
reforçamento (capitalista) da consciência individualizada, a música, enquanto
prática produtora de sentido, tem afirmado a sua autonomia com relação a outros
sistemas semióticos da vida social, convertendo-se na arte da individualidade
solitária. Na cultura tradicional africana, ao contrário, a música não é
considerada uma função autônoma, mas uma forma ao lado de outras – danças,
mitos, lendas, objetos – encarregadas da acionar o processo de interação entre
os homens e entre o mundo visível (o aiê, em nagô) e o invisível (o orum).
(SODRÉ, 1998: 21)
Papo de filosofia né ? Essa parada aê!
Filosofia, pensar/vivendo é coisa nossa(preta). É do jeito da cultura
tradicional africana que o projeto/processo Música
e Letramento pensa, vivendo a
atividade musical, desde o compor até a execução. A letra, melodia,
instrumentos tocados, gêneros musicais trabalhados, tudo com o objetivo da
“interação” entre as pessoas, os objetos, as informações e as outras formas
artísticas. E um dos projetos do Música
& Letramento é o Escola de Funk.
Aquelas coisas mais pra frente, tá ligado?!
Se você colocar a #musicaeletramento ou a #escoladefunk nas redes sociais
(insta, face ou youtube) vai pegar a visão do desenrolo.
LETRAMENTO
Nessa parada a ideia não é aprofundar,
mergulhar na teoria, mas mostrar rápido como nossa prática é um pensar/vivendo.
Então, vamos partir da ideia de que o mundo é racializado pra concordar com a
socióloga Ana Lúcia Silva Souza quando ela explana que
Letramento é aqui entendido
como conjunto das práticas e dos usos sociais que envolvem tanto a leitura como
a oralidade realizados pelos sujeitos,
em distintos contextos socioculturais. Neste caso, ser letrado requer, além de
possuir conhecimentos básicos em relação a língua e ao seu funcionamento, ser
capaz de articular essas informações atribuindo-lhe valores. Tal domínio
serviria tanto para detectar e enfrentar solicitações e situações, de maneira
consciente e critica, como para intervir e propor modificações no meio em que
se vive.(CAVALLEIRO, 2001: 181).
Vamos
dizer aí que letramento é para além de ler, ver e escutar, pensar no que lê, vê
e ouve, ter capacidade de organizar essas informações nesse mundo, para além de
conhecer símbolos e códigos de escrita. Dá ainda pra gente voltar a pensar/viver sobre
o que é a música nesse processo, lembra? Quando o desenrolo chega na questão da
música dizendo: o processo de compor e
de tocar as músicas tem o objetivo de
provocar determinadas reações, pensamentos, reflexões ao mesmo tempo em que o
corpo se mexe ao som do ritmo dos tambores, do agogô, do banjo... Isso é
provocar uma situação de prática de letramento, nunca esquecendo a importância
de ser letrado diante de uma sociedade racializada. O mesmo conceito de letramento
pode ser usado para diferentes informações e/ou conteúdos. Para reforçar esse papo de letramento, Freire
(1991), citado na obra Alfabetização
e Letramento Na Sala de Aula, de Maria Lúcia Castanheira,
chama a nossa atenção para o
fato de que não basta simplesmente dominar a escrita como um instrumento
tecnológico. É preciso considerar as possíveis consequências políticas da
inserção do aprendiz no mundo da escrita. Essa inserção favoreceria a uma
leitura crítica das relações sociais e econômicas (re) produzidas em nossa
sociedade. (CASTANHEIRA et al., 2009: 14 e 15)
Então, já deu pra se ligar aqui que as questões raciais estão colocadas de forma
social? E o que o processo Música & Letramento tem com isso? Bora
desenrolar mais um pouco!
FUNK, LITERATURA E (DES)EDUCAÇÃO
É o seguinte: agora
vamos seguir o papo o mais reto possível (se é que ainda não foi). Nosso
desenrolo é sobre racismo. Mas, o que é racismo? Racismo é sistema de poder
que marginaliza o corpo negro e não deixa a sociedade reconhecer o negro
como produtor de saber, racismo impede que a população negra tenha acesso a
bens e serviços, racismo está na relação política e econômica da nossa
sociedade. Na moral, se liga aê no papo do professor Big Richard(2018):
Racismo
é institucional! Permeia o amplo espectro das instituições da sociedade,
estrutura e condiciona que tipos de políticas públicas, onde, como, pra quem!
Senão vejamos: por que nossas instituições policiais vêm seu povo como inimigo?
Por que restrições sistemáticas de investimentos na educação e o terror em
filas da previdência, em serviços de saúde, de habitação? Que dizer do
formalismo e segmentação do mundo da cultura – erudita? Popular? Nada disso tem
a ver com a questão racial? (SANTOS, 2018: XXIV)
O racismo vai passando por toda a estrutura
social e por suas instituições. Tudo sendo racializado. E se por um lado o
racismo faz com que o negro seja desvalorizado na condição de humano, por outro
coloca o ser branco como detentor de todo conhecimento. Logo podemos pensar que
o racismo no Brasil é muito mais um problema da branquitude, dos sujeitos
brancos e de que forma esses sujeitos agem do que um problema do negro. Bem como explica a pesquisadora Maria
Aparecida Bento:
O
silêncio, a omissão, a distorção do lugar do branco na situação das
desigualdades raciais no Brasil têm um forte componente narcísico, de
autopreservação, porque vem acompanhado de um pesado investimento na colocação
desse grupo como grupo de referência da condição humana. Quando precisam
mostrar uma família, um jovem ou uma criança, todos os meios de comunicação
social brasileiros usam quase que exclusivamente o modelo branco. (BENTO, 2002:
6).
O papo reto aqui é o branco
vai ter um lugar de destaque na sociedade, chegar nas instituições. E quando eu
falo de instituições falo de acesso para saúde, segurança, transporte, lazer,
educação... E é aí que vamos mais
adiante no desenrolo. Porque pra trocar um papo sendo funk, literatura e
educação não tem como não falar de forma racializada. Aliás, não tem como falar
de nada sem pensar de forma racializda numa sociedade racista, tá ligad@?
FUNK
O funk, por exemplo, passa
pelo mesmo processo de embranquecimento que o samba e outros ritmos passaram. Tá
achando que é caô? Mas, antes de falar de embranquecimento e funk, bora falar
do que é o funk?
O funk não é modismo, é uma necessidade
É pra calar os gemidos que existem nessa cidade
MC Bob
Rum 1995
É som de preto, de favelado
Mas quando toca ninguém fica parado
Mcs Amilca e Chocolate, anos 2000.
Pra quem não conhece o funk é com muito prazer
que eu me apresento agora pra você.
Sou a voz do morro, o grito da favela
sou a liberdade, em becos e vielas.
Deixa o meu funk entrar Funk-se quem quiser
ao som do funk eu vou seja o que Deus quiser.
Felicidade sim, eu quero é ser feliz
sem discriminação este é o meu País
Muitos me condenam, mas nada me assusta.
Eu sou brasileiro e não desisto nunca.
Sou da sua raça, sou da sua cor, sou o som da
massa, sou o funk, eu sou!
E quem melhor pra dizer o que
é o funk do que os MCs? Aí algumas definições. A primeira do MC Bob Rum,
sucesso dos anos 1990 com Rap do Silva e outras canções. E logo depois Amilca e Chocolate(com Som de Preto) e Mc
Dolores gravado por MC Galo (com Funk-se quem quiser). Então se for pra dizer o
que é o Funk(com F maiúsculo mesmo) :
Não é
modismo, é uma necessidade para calar os gemidos que existem nessa cidade. É
som de preto e de favelado que quando toca ninguém fica parado. É a voz do
morro, o grito da favela, é a liberdade em becos e vielas.
Muitas são as definições de Funk que vamos
encontrar nos textos, nas literaturas escritas por MCs. Ah tá! Vou explicar,
rs! Se literatura é a “habilidade de ler e escrever de forma
correta” ou “compreende também histórias fictícias(inventadas)” e MCs estão
lendo e escrevendo o mundo vivido/pensado/imaginado e escrevendo sobre, ta aí
literatura. E nessas literaturas
Funk(sim! Poesias, literaturas) entre ficção e realidade (que trazem o conceito
do gênero musical, histórias dos próprios autores, situações vividas ou
imaginadas em bailes, humor, amores...) que teremos além da definição, do conceito do que é o
Funk, também vamos ficar ligados na história desse gênero musical como muito
bem nos apresentou o poeta, compositor e cantor MC Marcinho:
Há muito
tempo atrás, surgiu um movimento
Que a
cada dia que passava, pouco a pouco, ia crescendo
Um ritmo
moderno, e muito maneiro
Surgia
assim o nosso Funk, no meu Rio de Janeiro
Oi, vários pancadões internacionais
Surgiram
os MC's e vários festivais
E o DJ
nos pratos, mandando um squah maneiro
E
levando ao delírio os funkeiros
Pois até
hoje o nosso Funk tá por cima
Ai, que
saudade que eu tenho do meu Funk da antiga
Se tu
não curtiu os DJ's do vinil, então perdeu o melhor Funk do Brasil (2x)
Mas o
tempo passou,
Tanta
coisa mudou,
Várias
relíquias que existiam, hoje se acabou
Acabou o
festival, acabou a matinê
Até o
meu vinil, hoje virou CD
Mas o
meu Funk continua abalando
E cada
dia que passa, vai se modernizando
A massa
da antiga e a nova geração
Humildemente,
vem cantando esse refrão
Pois até
hoje o nosso Funk tá por cima
Ai, que
saudade que eu tenho do meu Funk da antiga
Se tu
não curtiu os DJ's do vinil, então perdeu o melhor Funk do Brasil
Já bem explanado por MCs o conceito e a
história, agora bora falar do bagulho do branqueamento e a quem essa parada
interessa. No livro “1976 Movimento Black”, de Luiz Felipe de
Lima Peixoto e Zé Octávio Sebadelhe (2016)
entre outros trechos, os autores destacam no início da obra como o soul
foi recebido na cidade do Rio de Janeiro:
Nas décadas de 1940 e 1950,
quando o rádio passou a divulgar o samba ao grande público, quando as escolas
de samba deixaram de ser vasculhadas pela Polícia, foi quando a classe média
invadiu o samba. Com efeito, o negro de então já não se identificava mais com
aquele universo, e encontrou no soul que vinha dos Estados Unidos a sua coluna,
o seu apoio, o porto seguro, de real cumplicidade. (PEIXOTO, SEBADELHE, 2016:
12 )
“Qual foi maluco?”
Qual foi que esses caras estão dizendo aí sobre o branqueamento do samba e o surgir do
funk no Rio de Janeiro. Abraçaram o samba como o ritmo nacional. Cada vez mais
transformando o samba em produto. Mas, se liga na “coincidência” entre
compositores de samba e de funk. O sambista Zé Keti escreveu
“eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo sim senhor, quero mostrar ao mundo
que tenho valor” na letra da canção A Voz
do Morro. O autor era integrante de um grupo de samba de mesmo nome nos
anos 1960. Mais de 30 anos depois, MC Dolores
descreve, conceitua o funk assim: “sou a voz do morro, o grito da
favela, sou a liberdade em becos e vielas” na letra Funk-se quem quiser. Zé
Keti, com essa canção, estava definindo o samba, reafirmando sua origem. A voz do
morro nas duas canções marca a origem entre os dois gêneros na cidade do Rio de
Janeiro. O morro, a favela, a periferia, o povo preto. Pois, assim disseram
Amilca e chocolate : “é som de preto, de
favelado...”.
Pra chegar nos finalmente da ideia, embranquecer tá colocado como processo de apropriação cultural das nossas(pretinhos e pretinhas) paradas. Apropriação cultural, no papo reto é os pretin gastar tempo e intelecto pra produzir as paradas e as empresas, empresários, empresárias, tod@s branc@s ficam com a maior parte da grana. Ou simplesmente usam os ritmos como samba, funk, rap e fazem sucesso com as paradas sem ter nenhum compromisso com as origens dos nossos caô. Tipo o samba que é uma música de origem preta, referencias africanas, com bases musicais nos tambores do candomblé, tem passistas, músicos e outros artistas pretos, netos e bisnetos dos mais velhos, antigos fundadores das escolas de samba. Mas, os dirigentes, presidentes das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro são brancos em quase sua totalidade. Você que me lê pode pensar “Ah, esse maluco ta viajando!” Blz! Eu até entendo que o mundo te faz pensar assim. Só pra ter ideia, tem gente que diz que racismo nem existe mesmo com todas as evidências e com o racismo matando toda hora. Então se liga aí. Não é coisa da minha cabeça, música, letramento, literatura através da educação são feitas para nos embranquecer, colocando pra gente a ideia de que o que é europeu, o que é do branco é que é legal, é o correto, é a forma certa de andar, falar, vestir. O Funk, (quando eu digo Funk eu digo toda a linguagem, história, complexidades...) assim como o samba já foi, é considerado cultura de marginal. O rap tem a mesma pegada. Basta ouvir um pouco de Racionais MCs pra perceber qual é. Só que tudo quando a consciência negra assume o mínimo de protagonismo, expõe as questões raciais...
Pq entre outras paradas a "maior meta é deixar minha família bem"(MC Poze do Rodo). Mas, ver os preinhos, os favelados voar alto é tenso pra quem quer manter dominação, tá lgd?! O papo do MC Urubuzinho em Vida de Herói é retão também(procura lá no you tube). Aí é a hora de embranquecer. E branquitude é quando uma elite branca(elite branca é redundância, pleonasmo rs) afirma por meio da estrutura, instituições sociais que “Quanto mais próximo do padrão estético branco, mais possibilidades de ascenção social e ultrapassagem das barreiras raciais.”(SANTOS, 2018: 44) para um negro, se ligô?! Chegou a hora de falar de educação então.
Educação
O que é educação e o que ela
tem com essa parada? Educação é o processo pelo qual o ser humano aprende. Pode
ser na escola ou fora dela. Mas, pra não dizer que to inventando coisa,
(...) a educação é um dos
meios de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela
ajuda a pensar os tipos de homens. Mais do que isso, ela ajuda a criá-los,
fazendo passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima. Mais
ainda, a educação participa do processo de produção de crenças e ideias, de
qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e
poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades (BRANDÃO, 2013: 11 e
12).
Se educação é o processo de
formação dos sujeitos, pra formar guerreiros ou burocratas, existe uma
intenção. Então, se liga, qual é a história que é contada na escola? A história
de invasão do Brasil ou de descobrimento, por exemplo? A história de violência
sexual sofrida por negras e indígenas praticada pelos europeus que dava origem
a miscigenação ou relações romantizadas nas literaturas infantis e para adultos? O que diziam/dizem
pra gente sobre a gente, povo preto ou sobre o povos indígenas desde as
primeiras aulas na Educação Infantil até a faculdade(pra quem chega)?
Educação é tudo! Mas, a
educação que a gente recebe desde a creche até a universidade tem bonecos pretos?
desenhos e filmes com personagens negros?
história da formação do país nas perspectivas dos povos pretos e indígenas na maioria das paradas? Que tipo de sociedade
essa educação construiu/constrói? Educação
pra que? Educação pra quem?
Não é por acaso que o samba atualmente é bem
aceito nos ambientes educacionais em festas e até para discussão em sala de
aula. Pois, é um produto nacional,
embranquecido por uma elite nacional
que buscava um representante da “cultura popular” no mundo, assumir a
ideia da democracia racial, negar a existência de racismo no Brasil aos olhos
do mundo. Mas, o funk, só de falar, a
galera torce a cara. Sempre tem MC, DJ preso, perseguido... Tudo pela educação? Como se explica? “A
educação dos negros, a coisa mais importante na elevação dos Negros, está quase
inteiramente nas mãos dos que escravizaram e agora os segregam”(WOODSON, 2018:
40). Então, a gente chega num desenrolo que o pedagogo estadunidense Woodson(2018:
25) chama de deseducação. Pois, para ele
O pensamento de inferioridade
é injetado no Negro em quase todas as classes que ele entra e em quase todos os
livros que ele estuda. Se ele abandonar essa escola logo após dominar os
fundamentos básicos, antes mesmo de terminar o ensino médio ou chegar a faculdade,
ele naturalmente escapará de algum desses preconceitos e poderá se recuperar a
tempo de servir seu povo.
Abraça o papo aí! É Educação pra deseducar os
pretinhos e pretinhas, tá ligado? Mas, e a educação para os negros, já que a
educação aí exposta é alienante, deseducadora? Aí o bagulho é o seguinte: Pra começo de conversa nossas paradas(nossa
história, nossa cultura) não só pode como deve
“perturbar os currículos das escolas ou forçar o Negro, como tal, a
discutir publicamente”(WOODSON, 2018:126). Mas, na boa, dá pra ir além. Precisamos!
Vamos ficar esperando uma lei que mude o currículo? Não! Pois já tem a lei
10.639/03 que foi resultado de muitos anos de luta do Movimento Negro. Se é
continuidade, se as mais velhas e os mais velhos já fizeram muito, os
prentinhos e pretinhas que estão chegando precisam continuar remando. Não
precisamos inventar a roda, mas ler, rever xs nossxs! O mesmo conceito de letramento(sem fragmentações) que diz que
precisamos ter a compreensão do que se lê, se vê e se ouve nos conteúdos de
embranquecer, dá conta se o conteúdo for sobre a história, a cultura, a luta e
a continuidade preta em terras brasileiras, por exemplo. A música preta, a
literatura preta, a história preta vai fazer a gente chegar na educação preta.
E o funk é uma das armas. Digo é porque o Escola
de Funk é um projeto já praticado no qual a molecada discutiu/discute a
historia/memória do funk, as canções, o processo de criação, o preconceito, o
embranquecimento... Pra chegar no entendimento do jogo, vê legal o caô!
Mas,
Carlos, funk vai dar conta das disciplinas? Alguns vão dizer ainda: Funk só
fala palavrão. Rsrsrs Eles não conhecem funk. Funk fala palavrão também! Não conhecem Elis MC, Mano Teko,
Pingo do Rap, Tikão, Junior e Leonardo, Cabelinho, Urubuzinho, Poze do Rodo, MC
Mazinho, Menor do Chapa, MC Urubuzinho, MC Skel ... Essa lista não acaba. E de acordo com a idade e a
disciplina vai ter várias letras, vários textos pra desenrolar. No papo reto, o
Funk é Funk, o funk é aula. É Escola de
Funk. Máximo respeito para todos os mais velhos e as mais velhas do funk,
do samba, do rap, do soul, da cultura preta de uma forma geral, que trilharam
esse árduo caminho e nos deixaram a responsa da continuidade! Vale aqui o reforço da ideia de que não dá pra ser mais um projeto pedagógico romantizado. Mas, é uma parada de ir contra a alienação, papo retão, pouco falar, muito fazer! Organização no sapatin. Já até to terminando pra não falar tanto. É Sentir quem você pode contar e quem não pode pra fazer o bagulho andar. Não é fazer pra eles. É fazer junto. O #escoladefunk nasce assim. Geral juntão, mesma vibração!
To fechando por aqui, mas antes de colocar a segunda referência, preciso
dizer, deixar bem evidente que esse desenrolo só é possível por conta da primeira referência. São elxs, os MCs,
DJs(tanto os da antiga quanto os de agora) e os demais trabalhadores do funk.
Todos que contribuíram e continuam contribuindo para o pancadão rolar. É não é pequena contribuição não! Tô falando de quem fez e faz o bagulho no dia a dia. Pra
falar de alguns(mas) que inspiraram muito esse papo: Mano Teko, Elis MCs, MC
Carol de Niteroi, MC Carol Felix, Passinho Carioca, MC Lipinho Costa, MC
Patrão, Casa do Funk, MCs Junior e Leonardo, MCs Cidinho e Doca, MC Mazinho, MC
Tikão, MC Menor do Chapa, MC Marcinho, MC Bob Rum, MC TH, MC Andrezinho Shock,
MC Pingo do Rap, MC Lasca, Mr. Catra, MC Sapão, MC Urubuzinho e os/as demais. Uns/umas tenho mais proximidade,
outros/outras nem tanto. Mas, muito importante é colocar o quanto cada
pessoa que faz funk é parte dessa engrenagem sinistra de continuidade e
resistência. E o fazer dessa galera é ciência. Um alôzão aqui pra galera da Casa do Funk, São Gonçalo e Passinho Carioca na Penha.
Eu sou Carlos Carvalho, funkeiro, sambista,
músico instrumentista, pedagogo, professor, criador do processo/projeto Música
& Letramento.
MC Poze do Rodo - To voando alto
https://www.youtube.com/watch?v=A_EWrzI2CUg
Elis MC - Vem dançar com Elis
https://www.youtube.com/watch?v=4h4vXtBesi8
MC Tikão - Família
https://www.youtube.com/watch?v=vCQkb4ZmlTE
MC Orelha e MC Menor do Chapa
https://www.youtube.com/watch?v=rldZZTUao0o
MC Cidinho e Doca - Rap da Felicidade
https://www.youtube.com/watch?v=7pD8k2zaLqk
MC Marcinho - funk da antiga
https://www.youtube.com/watch?v=rqbuNSFL7kE
MC Bob Rum - orgulho da favela
https://www.youtube.com/watch?v=jvf0as1SdWI
MC Galo - Funk-se quem quiser
https://www.youtube.com/watch?v=JUDEgzOM7LE
MC pingo do rap
https://www.youtube.com/watch?v=AeLTfVWXvGk
MC Federado e os Lelekes - passinho do volante
https://www.youtube.com/watch?v=Y3ums3ad2SM
MC Vitão - O gás
https://www.youtube.com/watch?v=vowlsR3TpfI
MC Andrezinho Shock - Roda Gigante
https://www.youtube.com/watch?v=D5FZs3OJzR0
Segue a segunda parte aí das referências :
1.
BENTO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray. (org).
Branqueamento e branquitude no brasil in: psicologia
social do racismo – estudos sobre branquitude e branqueamento no brasil . Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
2.
BRANDÃO, Carlos
Rodrigues. O que é educação. São Paulo. Brasiliense. 2013.
3.
BRITO, Teca Alencar de. Música na educação
infantil. São Paulo. Petrópolis. 2003
4.
CASTANHEIRA, Maria Lúcia; MACIEL, Francisca Isabel
Pereira; MARTINS, Raquel Márcia Fontes. Alfabetização
e Letramento na Sala de Aula. 2 ed. Belo Horizonte Autêntica Editora –
2009.
5.
CAVALLEIRO, Eliane(org). Racismo
e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo. Selo Negro.
2001.
6.
LEVY, Gabriel. O
livro de brincadeiras musicais da Palavra Cantada, volume 3. São Paulo.
Editora Melhoramentos. 2010.
7.
PEIXOTO, Luiz Felipe
de Lima; SEBADELHE, Zé Octávio. 1976 Movimento black rio. 1ed. Rio de
Janeiro. José Olympio. 2016.
8.
SANTOS, Richard. Branquitude
e televisão: A nova África (?) na TV pública. Gramma. Rio de Janeiro. 2018.
9.
SODRÉ, Muniz. Pensar
nagô. Petrópolis, RJ. Vozes. 2017.
10.
SODRÉ, Muniz. Samba,
o dono do corpo. 2ed. Rio de Janeiro. Mauad. 1998.
11.
WOODSON, Carter
Godwin. A deseducação do negro. São Paulo. Medu Neter Livros. 2018.