domingo, 21 de junho de 2020

FUNK, LITERATURA E (DES)EDUCAÇÃO.

FUNK, LITERATURA E (DES)EDUCAÇÃO.

Desenrolos do Música & Letramento 





Segue o link do desenrolo. No canal @baobazinho da Juliana Correira tem também a segunda parte da troca, do papo. 


                                   https://www.youtube.com/watch?v=eEm_yGhaMhk

 

MÚSICA

Em quase toda palestra, desenrolo, oficina ou bate papo do projeto Música & Letramento com pessoas de idades diferentes, uma das primeiras perguntas que faço para as pessoas é : O que é música pra você? Daí sai muita coisa, quase sempre sinônimos de felicidade, memória, lembranças, alegria, prazer. Por isso, vou começar essa papo  pensando definições de música. Trazendo contribuições de alguns pesquisadores afirmando que “A música é uma linguagem que utiliza sons e silêncios para expressar e comunicar”(LEVY, 2010: 16), por exemplo. Mas, se essa definição fica um pouco distante do que afirma grande parte da galera com quem já troquei ideias ao longo desse processo, então podemos pensar que  música(s)  “são expressões sonoras que refletem a consciência, o modo de perceber, pensar e sentir de indivíduos, comunidades, culturas, regiões, em seu processo sócio-histórico”(BRITO, 2003: 28). Existe ainda a afirmativa de Sodré (2017) que vê a música como “recurso vital de transcendência da dualidade mente/corpo, que converte a filosofia numa estética de revelação do substrato fundamental e afetivo do homem.” (SODRÉ, 2017: 139). Aí, se liga aqui. Na real, o Brito(2003)  está querendo dizer, entre outras coisas, que o autor de uma canção ou um compositor escreve coisas sobre o sentir, viver ou perceber. E o Sodré(2017) já continua falando do afeto, sentimentos, corpo e mente em sintonia, juntos. Essas são definições extremamente aproximadas das respostas recebidas por vezes em uma única palavra por crianças, jovens e adultos nos desenrolos feitos em várias instituições escolares e feiras literárias pelo estado do RJ. Ah! Mas, se é pra falar de música, vamos falar de ritmo também. 

Cês tão ligados que o papo aqui é ritmo? E ritmo é música preta! É uma das paradas  que faz a gente ter consciência de viver junto, fazer junto. Para Sodré(2017)

o ritmo se afirma como uma verdadeira tecnologia de agregação humana. Por meio da dança e da festa, ele reelabora simbolicamente o espaço, na medida em que modifica, ainda que momentaneamente, as hierarquias territoriais, estimulando o poder expressivo do corpo até o ponto de produção de imagens próprias de liberação e autorrealização.(SODRÉ, 2017: 143-144)

O professor/pesquisador(professor/ pesquisador ou professor/estudante deveria ser redundância) tá dando o papo que se tem ritmo, tem festa. E em festa ninguém  está sozinho. Mas, aí o cara vai além. Nesse momento Sodré não está (e nem eu estou) falando de ritmo como se fosse um gênero musical, um tipo de música específica. Estou trazendo o cara pra falar de ritmo negro, de toda essa importância e significado pra daqui pra frente o entendimento do papo chegar. Porque tem um fato aí. A forma com que os tambores africanos agem na música é diferente de como é fazer música de um modo egoísta, eurocêntrico, ocidental(branco). Pois,

No ocidente, com o reforçamento (capitalista) da consciência individualizada, a música, enquanto prática produtora de sentido, tem afirmado a sua autonomia com relação a outros sistemas semióticos da vida social, convertendo-se na arte da individualidade solitária. Na cultura tradicional africana, ao contrário, a música não é considerada uma função autônoma, mas uma forma ao lado de outras – danças, mitos, lendas, objetos – encarregadas da acionar o processo de interação entre os homens e entre o mundo visível (o aiê, em nagô) e o invisível (o orum). (SODRÉ, 1998: 21)

 

Papo de filosofia né ? Essa parada aê! Filosofia, pensar/vivendo é coisa nossa(preta). É do jeito da cultura tradicional africana que o projeto/processo Música e Letramento pensa, vivendo  a atividade musical, desde o compor até a execução. A letra, melodia, instrumentos tocados, gêneros musicais trabalhados, tudo com o objetivo da “interação” entre as pessoas, os objetos, as informações e as outras formas artísticas. E um dos projetos do Música & Letramento é o Escola de Funk. Aquelas coisas mais pra frente, tá ligado?!  Se você colocar a #musicaeletramento ou a #escoladefunk nas redes sociais (insta, face ou youtube) vai pegar a visão do desenrolo. 

 

LETRAMENTO

Nessa parada a ideia não é aprofundar, mergulhar na teoria, mas mostrar  rápido  como nossa prática é um pensar/vivendo. Então, vamos partir da ideia de que o mundo é racializado pra concordar com a socióloga Ana Lúcia Silva Souza quando ela explana que

Letramento é aqui entendido como conjunto das práticas e dos usos sociais que envolvem tanto a leitura como a oralidade realizados  pelos sujeitos, em distintos contextos socioculturais. Neste caso, ser letrado requer, além de possuir conhecimentos básicos em relação a língua e ao seu funcionamento, ser capaz de articular essas informações atribuindo-lhe valores. Tal domínio serviria tanto para detectar e enfrentar solicitações e situações, de maneira consciente e critica, como para intervir e propor modificações no meio em que se vive.(CAVALLEIRO, 2001: 181).

 

Vamos dizer aí que letramento é para além de ler, ver e escutar, pensar no que lê, vê e ouve, ter capacidade de organizar essas informações nesse mundo, para além de conhecer símbolos e códigos de escrita.  Dá ainda pra gente voltar a pensar/viver sobre o que é a música nesse processo, lembra? Quando o desenrolo chega na questão da música dizendo:  o processo de compor e de tocar as músicas tem o objetivo  de provocar determinadas reações, pensamentos, reflexões ao mesmo tempo em que o corpo se mexe ao som do ritmo dos tambores, do agogô, do banjo... Isso é provocar uma situação de prática de letramento, nunca esquecendo a importância de ser letrado diante de uma sociedade racializada. O mesmo conceito de letramento pode ser usado para diferentes informações e/ou conteúdos.  Para reforçar esse papo de letramento, Freire (1991),  citado na obra  Alfabetização e Letramento Na Sala de Aula, de Maria Lúcia Castanheira,  

chama a nossa atenção para o fato de que não basta simplesmente dominar a escrita como um instrumento tecnológico. É preciso considerar as possíveis consequências políticas da inserção do aprendiz no mundo da escrita. Essa inserção favoreceria a uma leitura crítica das relações sociais e econômicas (re) produzidas em nossa sociedade. (CASTANHEIRA et al., 2009: 14 e 15)

Então, já deu pra se ligar aqui que  as questões raciais estão colocadas de forma social? E o que o processo Música & Letramento tem com isso? Bora desenrolar mais um pouco!

 

FUNK, LITERATURA E (DES)EDUCAÇÃO

É o seguinte: agora vamos seguir o papo o mais reto possível (se é que ainda não foi). Nosso desenrolo é sobre racismo. Mas, o que é racismo? Racismo é sistema de poder  que marginaliza o corpo negro e não deixa a sociedade reconhecer o negro como produtor de saber, racismo impede que a população negra tenha acesso a bens e serviços, racismo está na relação política e econômica da nossa sociedade. Na moral, se liga aê no papo do professor Big Richard(2018):

Racismo é institucional! Permeia o amplo espectro das instituições da sociedade, estrutura e condiciona que tipos de políticas públicas, onde, como, pra quem! Senão vejamos: por que nossas instituições policiais vêm seu povo como inimigo? Por que restrições sistemáticas de investimentos na educação e o terror em filas da previdência, em serviços de saúde, de habitação? Que dizer do formalismo e segmentação do mundo da cultura – erudita? Popular? Nada disso tem a ver com a questão racial? (SANTOS, 2018: XXIV)

 O racismo vai passando por toda a estrutura social e por suas instituições. Tudo sendo racializado. E se por um lado o racismo faz com que o negro seja desvalorizado na condição de humano, por outro coloca o ser branco como detentor de todo conhecimento. Logo podemos pensar que o racismo no Brasil é muito mais um problema da branquitude, dos sujeitos brancos e de que forma esses sujeitos agem do que um problema do negro.  Bem como explica a pesquisadora Maria Aparecida Bento:

O silêncio, a omissão, a distorção do lugar do branco na situação das desigualdades raciais no Brasil têm um forte componente narcísico, de autopreservação, porque vem acompanhado de um pesado investimento na colocação desse grupo como grupo de referência da condição humana. Quando precisam mostrar uma família, um jovem ou uma criança, todos os meios de comunicação social brasileiros usam quase que exclusivamente o modelo branco. (BENTO, 2002: 6).

O papo reto aqui é o branco vai ter um lugar de destaque na sociedade, chegar nas instituições. E quando eu falo de instituições falo de acesso para saúde, segurança, transporte, lazer, educação...  E é aí que vamos mais adiante no desenrolo. Porque pra trocar um papo sendo funk, literatura e educação não tem como não falar de forma racializada. Aliás, não tem como falar de nada sem pensar de forma racializda numa sociedade racista, tá ligad@?

 

FUNK

O funk, por exemplo, passa pelo mesmo processo de embranquecimento que o samba e outros ritmos passaram. Tá achando que é caô? Mas, antes de falar de embranquecimento e funk, bora falar do que é o funk?

O funk não é modismo, é uma necessidade

É pra calar os gemidos que existem nessa cidade

MC Bob Rum 1995

 

É som de preto, de favelado

Mas quando toca ninguém  fica parado

Mcs Amilca e Chocolate, anos 2000.

 

 

 

Pra quem não conhece o funk é com muito prazer
que eu me apresento agora pra você.
Sou a voz do morro, o grito da favela
sou a liberdade, em becos e vielas.
Deixa o meu funk entrar Funk-se quem quiser
ao som do funk eu vou seja o que Deus quiser.
Felicidade sim, eu quero é ser feliz
sem discriminação este é o meu País
Muitos me condenam, mas nada me assusta.
Eu sou brasileiro e não desisto nunca.
Sou da sua raça, sou da sua cor, sou o som da massa, sou o funk, eu sou!

 

E quem melhor pra dizer o que é o funk do que os MCs? Aí algumas definições. A primeira do MC Bob Rum, sucesso dos anos 1990 com Rap do Silva e outras canções. E logo depois  Amilca e Chocolate(com Som de Preto) e Mc Dolores gravado por MC Galo (com Funk-se quem quiser). Então se for pra dizer o que é o Funk(com F maiúsculo mesmo)  :

Não é modismo, é uma necessidade para calar os gemidos que existem nessa cidade. É som de preto e de favelado que quando toca ninguém fica parado. É a voz do morro, o grito da favela, é a liberdade em becos e vielas.

 Muitas são as definições de Funk que vamos encontrar nos textos, nas literaturas escritas por MCs. Ah tá! Vou explicar, rs! Se literatura é a  “habilidade de ler e escrever de forma correta” ou “compreende também histórias fictícias(inventadas)” e MCs estão lendo e escrevendo o mundo vivido/pensado/imaginado e escrevendo sobre, ta aí literatura.  E nessas literaturas Funk(sim! Poesias, literaturas) entre ficção e realidade (que trazem o conceito do gênero musical, histórias dos próprios autores, situações vividas ou imaginadas em bailes, humor, amores...) que teremos  além da definição, do conceito do que é o Funk, também vamos ficar ligados na história desse gênero musical como muito bem nos apresentou o poeta, compositor e cantor  MC Marcinho:

 

Há muito tempo atrás, surgiu um movimento

Que a cada dia que passava, pouco a pouco, ia crescendo

Um ritmo moderno, e muito maneiro

Surgia assim o nosso Funk, no meu Rio de Janeiro

     Oi, vários pancadões internacionais

Surgiram os MC's e vários festivais

E o DJ nos pratos, mandando um squah maneiro

E levando ao delírio os funkeiros

 

Pois até hoje o nosso Funk tá por cima

Ai, que saudade que eu tenho do meu Funk da antiga

Se tu não curtiu os DJ's do vinil, então perdeu o melhor Funk do Brasil (2x)

 

Mas o tempo passou,

Tanta coisa mudou,

Várias relíquias que existiam, hoje se acabou

Acabou o festival, acabou a matinê

Até o meu vinil, hoje virou CD

Mas o meu Funk continua abalando

E cada dia que passa, vai se modernizando

A massa da antiga e a nova geração

Humildemente, vem cantando esse refrão

 

Pois até hoje o nosso Funk tá por cima

Ai, que saudade que eu tenho do meu Funk da antiga

Se tu não curtiu os DJ's do vinil, então perdeu o melhor Funk do Brasil

 

Já bem explanado por MCs o conceito e a história, agora bora falar do bagulho do branqueamento e a quem essa parada interessa.  No livro “1976 Movimento Black”, de Luiz Felipe de Lima Peixoto e Zé Octávio Sebadelhe (2016)  entre outros trechos, os autores destacam no início da obra como o soul foi recebido na cidade do Rio de Janeiro:

 Nas décadas de 1940 e 1950, quando o rádio passou a divulgar o samba ao grande público, quando as escolas de samba deixaram de ser vasculhadas pela Polícia, foi quando a classe média invadiu o samba. Com efeito, o negro de então já não se identificava mais com aquele universo, e encontrou no soul que vinha dos Estados Unidos a sua coluna, o seu apoio, o porto seguro, de real cumplicidade. (PEIXOTO, SEBADELHE, 2016: 12 )

“Qual foi maluco?”

Qual foi que  esses caras estão dizendo aí  sobre o branqueamento do samba e o surgir do funk no Rio de Janeiro. Abraçaram o samba como o ritmo nacional. Cada vez mais transformando o samba em produto. Mas, se liga na “coincidência” entre compositores de samba e de funk. O sambista Zé Keti escreveu “eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo sim senhor, quero mostrar ao mundo que tenho valor” na letra da canção A Voz do Morro. O autor era integrante de um grupo de samba de mesmo nome nos anos 1960. Mais de 30 anos depois, MC Dolores  descreve, conceitua o funk assim: “sou a voz do morro, o grito da favela, sou a liberdade em becos e vielas” na letra Funk-se quem quiser. Zé Keti, com essa canção, estava definindo o samba, reafirmando sua origem.  A voz do morro nas duas canções marca a origem entre os dois gêneros na cidade do Rio de Janeiro. O morro, a favela, a periferia, o povo preto. Pois, assim disseram Amilca e chocolate : “é som de preto, de favelado...”.

Pra chegar nos finalmente da ideia, embranquecer tá colocado como processo de apropriação cultural das nossas(pretinhos e pretinhas) paradas. Apropriação cultural, no papo reto é os pretin gastar tempo e intelecto pra produzir as paradas e as empresas, empresários, empresárias, tod@s branc@s ficam com a maior parte da grana. Ou simplesmente usam os ritmos como samba, funk, rap e fazem sucesso com as paradas sem ter nenhum compromisso com as origens dos nossos caô. Tipo o samba que é uma música de origem preta, referencias africanas, com bases musicais nos tambores do candomblé, tem passistas, músicos e outros artistas pretos, netos e bisnetos dos mais velhos, antigos fundadores das escolas de samba. Mas, os dirigentes, presidentes das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro são brancos em quase sua totalidade. Você que me lê pode pensar “Ah, esse maluco ta viajando!” Blz! Eu até entendo que o mundo te faz pensar assim. Só pra ter ideia, tem gente que diz que racismo nem existe mesmo com todas as evidências e com o racismo matando toda hora. Então se liga aí. Não é coisa da minha cabeça, música, letramento, literatura através da educação são feitas para nos embranquecer, colocando pra gente a ideia de que o que é europeu, o que é do branco é que é legal, é o correto, é a forma certa de andar, falar, vestir. O Funk, (quando eu digo Funk eu digo toda a linguagem, história, complexidades...) assim como o samba já foi, é considerado cultura de marginal. O rap tem a mesma pegada. Basta ouvir um pouco de Racionais MCs pra perceber qual é. Só que tudo quando a consciência negra assume o mínimo de protagonismo, expõe as questões raciais...

Pq entre outras paradas a  "maior meta é deixar minha família bem"(MC Poze do Rodo). Mas, ver os preinhos, os favelados voar alto é tenso pra quem quer manter dominação, tá lgd?! O papo do MC Urubuzinho em Vida de Herói é retão também(procura lá no you tube). Aí é a hora de embranquecer. E branquitude é quando uma elite branca(elite branca é redundância, pleonasmo rs) afirma por meio da estrutura, instituições sociais  que “Quanto mais próximo do padrão estético branco, mais possibilidades de ascenção social e ultrapassagem das barreiras raciais.”(SANTOS, 2018: 44) para um negro, se ligô?! Chegou a hora de falar de educação então. 

Educação

O que é educação e o que ela tem com essa parada? Educação é o processo pelo qual o ser humano aprende. Pode ser na escola ou fora dela. Mas, pra não dizer que to inventando coisa,

(...) a educação é um dos meios de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a pensar os tipos de homens. Mais do que isso, ela ajuda a criá-los, fazendo passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de produção de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades (BRANDÃO, 2013: 11 e 12).

Se educação é o processo de formação dos sujeitos, pra formar guerreiros ou burocratas, existe uma intenção. Então, se liga, qual é a história que é contada na escola? A história de invasão do Brasil ou de descobrimento, por exemplo? A história de violência sexual sofrida por negras e indígenas praticada pelos europeus que dava origem a miscigenação ou relações romantizadas nas literaturas  infantis e para adultos? O que diziam/dizem pra gente sobre a gente, povo preto ou sobre o povos indígenas desde as primeiras aulas na Educação Infantil até a faculdade(pra quem chega)?

Educação é tudo! Mas, a educação que a gente recebe desde a creche até a universidade tem bonecos pretos?  desenhos e filmes com personagens negros? história da formação do país nas perspectivas dos povos pretos e indígenas  na maioria das paradas? Que tipo de sociedade essa educação construiu/constrói?  Educação pra que? Educação pra quem?

Não é por acaso que o samba atualmente é bem aceito nos ambientes educacionais em festas e até para discussão em sala de aula. Pois, é um produto nacional,  embranquecido por uma elite nacional  que buscava um representante da “cultura popular” no mundo, assumir a ideia da democracia racial, negar a existência de racismo no Brasil aos olhos do mundo. Mas,  o funk, só de falar, a galera torce a cara. Sempre tem MC, DJ preso, perseguido... Tudo pela educação?  Como se explica? “A educação dos negros, a coisa mais importante na elevação dos Negros, está quase inteiramente nas mãos dos que escravizaram e agora os segregam”(WOODSON, 2018: 40). Então, a gente chega num desenrolo que o pedagogo estadunidense Woodson(2018: 25) chama de deseducação. Pois, para ele

O pensamento de inferioridade é injetado no Negro em quase todas as classes que ele entra e em quase todos os livros que ele estuda. Se ele abandonar essa escola logo após dominar os fundamentos básicos, antes mesmo de terminar o ensino médio ou chegar a faculdade, ele naturalmente escapará de algum desses preconceitos e poderá se recuperar a tempo de servir seu povo.

Abraça o papo aí!  É Educação pra deseducar os pretinhos e pretinhas, tá ligado? Mas, e a educação para os negros, já que a educação aí exposta é alienante, deseducadora? Aí o bagulho é o seguinte:  Pra começo de conversa nossas paradas(nossa história, nossa cultura) não só pode como deve  “perturbar os currículos das escolas ou forçar o Negro, como tal, a discutir publicamente”(WOODSON, 2018:126). Mas, na boa, dá pra ir além. Precisamos! Vamos ficar esperando uma lei que mude o currículo? Não! Pois já tem a lei 10.639/03 que foi resultado de muitos anos de luta do Movimento Negro. Se é continuidade, se as mais velhas e os mais velhos já fizeram muito, os prentinhos e pretinhas que estão chegando precisam continuar remando. Não precisamos inventar a roda, mas ler, rever xs nossxs! O mesmo conceito de letramento(sem fragmentações) que diz que precisamos ter a compreensão do que se lê, se vê e se ouve nos conteúdos de embranquecer, dá conta se o conteúdo for sobre a história, a cultura, a luta e a continuidade preta em terras brasileiras, por exemplo. A música preta, a literatura preta, a história preta vai fazer a gente chegar na educação preta. E o funk é uma das armas. Digo é porque o  Escola de Funk é um projeto já praticado no qual a molecada discutiu/discute a historia/memória do funk, as canções, o processo de criação, o preconceito, o embranquecimento... Pra chegar no entendimento do jogo, vê legal o caô! 

Mas, Carlos, funk vai dar conta das disciplinas? Alguns vão dizer ainda: Funk só fala palavrão. Rsrsrs Eles não conhecem funk. Funk fala palavrão também! Não conhecem Elis MC, Mano Teko, Pingo do Rap, Tikão, Junior e Leonardo, Cabelinho, Urubuzinho, Poze do Rodo, MC Mazinho, Menor do Chapa, MC Urubuzinho, MC Skel ... Essa lista não acaba. E de acordo com a idade e a disciplina vai ter várias letras, vários textos pra desenrolar. No papo reto, o Funk é Funk, o funk é aula. É Escola de Funk.  Máximo respeito para todos os mais velhos e as mais velhas do funk, do samba, do rap, do soul, da cultura preta de uma forma geral, que trilharam esse árduo caminho e nos deixaram a responsa da continuidade! Vale aqui o reforço da ideia de que não dá pra ser mais um projeto pedagógico romantizado. Mas, é uma parada de ir contra a alienação, papo retão, pouco falar, muito fazer! Organização no sapatin. Já até to terminando pra não falar tanto. É Sentir quem você pode contar e quem não pode pra fazer o bagulho andar. Não é fazer pra eles. É fazer junto. O #escoladefunk nasce assim. Geral juntão, mesma vibração! 

To fechando por aqui, mas antes de colocar a segunda referência, preciso dizer, deixar bem evidente que esse desenrolo só é possível por conta da primeira referência. São elxs, os MCs, DJs(tanto os da antiga quanto os de agora) e os demais trabalhadores do funk. Todos que contribuíram e continuam contribuindo para o pancadão rolar. É não é pequena contribuição não! Tô falando de quem fez e faz o bagulho no dia a dia. Pra falar de alguns(mas) que inspiraram muito esse papo: Mano Teko, Elis MCs, MC Carol de Niteroi, MC Carol Felix, Passinho Carioca, MC Lipinho Costa, MC Patrão, Casa do Funk, MCs Junior e Leonardo, MCs Cidinho e Doca, MC Mazinho, MC Tikão, MC Menor do Chapa, MC Marcinho, MC Bob Rum, MC TH, MC Andrezinho Shock, MC Pingo do Rap, MC Lasca, Mr. Catra, MC Sapão, MC Urubuzinho e os/as  demais. Uns/umas tenho mais proximidade, outros/outras nem tanto. Mas, muito importante é  colocar o quanto cada pessoa que faz funk é parte dessa engrenagem sinistra de continuidade e resistência. E o fazer dessa galera é ciência. Um alôzão aqui pra galera da Casa do Funk, São Gonçalo e Passinho Carioca na Penha. 

Eu sou Carlos Carvalho, funkeiro, sambista, músico instrumentista, pedagogo, professor, criador do processo/projeto Música & Letramento.

 

Primeira Lista de Referências: 

Mano Teko - Quilombo, Favela, Rua

https://www.youtube.com/watch?v=eZuBzrfaaYk

MC Poze do Rodo - To voando alto

https://www.youtube.com/watch?v=A_EWrzI2CUg

MC Urubuzinho - Vida de Herói 

https://www.youtube.com/watch?v=YT0ZL3mcn8M

MC Mazinho  e Menor do Chapa 

https://www.youtube.com/watch?v=bHqbnjsyvGo

MC Carol de Niteroi -  Não foi Cabral 

https://www.youtube.com/watch?v=m-4OLiJguLo

Elis MC - Vem dançar com Elis 

https://www.youtube.com/watch?v=4h4vXtBesi8

MC Tikão - Família 

https://www.youtube.com/watch?v=vCQkb4ZmlTE

MC Orelha e MC Menor do Chapa 

https://www.youtube.com/watch?v=rldZZTUao0o

MC Cidinho e Doca - Rap da Felicidade

https://www.youtube.com/watch?v=7pD8k2zaLqk

MC Marcinho - funk da antiga

https://www.youtube.com/watch?v=rqbuNSFL7kE

MC Bob Rum - orgulho da favela

https://www.youtube.com/watch?v=jvf0as1SdWI

MC Galo - Funk-se quem quiser 

https://www.youtube.com/watch?v=JUDEgzOM7LE

MC pingo do rap 

https://www.youtube.com/watch?v=AeLTfVWXvGk

MC Federado e os Lelekes - passinho do volante

https://www.youtube.com/watch?v=Y3ums3ad2SM

MC Vitão - O gás 

https://www.youtube.com/watch?v=vowlsR3TpfI

MC Andrezinho Shock - Roda Gigante

https://www.youtube.com/watch?v=D5FZs3OJzR0


Segue a segunda parte aí das referências  :

1.             BENTO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray. (org). Branqueamento e branquitude no brasil in: psicologia social do racismo – estudos sobre branquitude e branqueamento no brasil . Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

 

2.             BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo. Brasiliense. 2013.

 

3.             BRITO, Teca Alencar de. Música na educação infantil. São Paulo. Petrópolis. 2003

4.             CASTANHEIRA, Maria Lúcia; MACIEL, Francisca Isabel Pereira; MARTINS, Raquel Márcia Fontes. Alfabetização e Letramento na Sala de Aula. 2 ed. Belo Horizonte Autêntica Editora – 2009.

 

5.             CAVALLEIRO, Eliane(org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo. Selo Negro. 2001.

 

6.             LEVY, Gabriel. O livro de brincadeiras musicais da Palavra Cantada, volume 3. São Paulo. Editora Melhoramentos. 2010.

 

7.             PEIXOTO, Luiz Felipe de Lima; SEBADELHE, Zé Octávio. 1976 Movimento black rio. 1ed. Rio de Janeiro. José Olympio. 2016.

 

8.             SANTOS, Richard. Branquitude e televisão: A nova África (?) na TV pública. Gramma. Rio de Janeiro. 2018.

 

9.             SODRÉ, Muniz. Pensar nagô. Petrópolis, RJ. Vozes. 2017.

 

10.         SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. 2ed. Rio de Janeiro. Mauad. 1998.

 

11.         WOODSON, Carter Godwin. A deseducação do negro. São Paulo. Medu Neter Livros. 2018.


Um comentário:

  1. https://youtu.be/yUvBYzoBZ-I

    Link da segunda parte do desenrolo com Juliana Correia do @baobazinho

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